Há diversas conexões entre os diferentes movimentos por justiça social, desde os sistemas de opressão que dão origem às injustiças até as estratégias utilizadas para combatê-los. Aqui, vamos falar sobre uma conexão específica: entre o veganismo e a justiça reprodutiva.
O que é justiça reprodutiva?
De acordo com a organização Birth Companions, justiça reprodutiva é “um conceito baseado em direitos e um movimento ativista feminista interseccional que une direitos reprodutivos e justiça social”. Esse conceito foi desenvolvido há 30 anos por mulheres negras que reconheceram que o movimento existente não abordava toda a diversidade de experiências reprodutivas e questões enfrentadas por comunidades marginalizadas. O coletivo Sister Song teve um papel central na criação desse conceito e permanece na linha de frente da defesa da justiça reprodutiva até hoje.
A Declaração da entidade para 2023 afirma:
“Nós nos escolhemos. Invocamos o espírito de nossas ancestrais que abriram o caminho para nós, dos camaradas que lutam ao nosso lado hoje e daqueles que lutarão além de nós, que se tornarão nossos maiores sonhos. Reivindicamos as demandas da Justiça Reprodutiva que nossas mães negras nomearam há quase 30 anos:
- O direito humano de ser dona de nossos corpos e controlar nosso futuro.
- O direito humano de ter filhos.
- O direito humano de não ter filhos.
- O direito humano de criar nossos filhos em comunidades seguras e sustentáveis.”
O que é o veganismo?
A Vegan Society, cujo fundador cunhou a palavra “veganismo”, define a palavra como “uma filosofia e estilo de vida que busca excluir — dentro do possível e praticável — todas as formas de exploração e crueldade aos animais”.
Isso vai além da definição mais limitada frequentemente atribuída, ou seja, que veganos comem apenas alimentos livres da crueldade animal. Fazemos isso, é claro! Mas é apenas o começo. O veganismo é uma maneira de viver que define nossa escolha de alimentos, roupas, produtos de higiene, cosméticos, e muito mais, para garantir que sejam livres de produtos de origem animal. Ser vegano também se estende ao entretenimento e aos hobbies, já que não financiamos zoológicos e aquários que mantêm animais em cativeiro, nem circos ou rodeios, ou qualquer outra “atração” que explore e prejudique os animais.
O que conecta a justiça reprodutiva e o veganismo?
Para responder a esta pergunta, primeiro precisamos considerar um preconceito compartilhado pela maioria da população humana: o especismo. O especismo é a discriminação baseada na espécie, que quase sempre considera o animal humano como o mais importante e moralmente digno, enquanto todos os outros animais são percebidos como inferiores, geralmente em uma escala variável de valor. Esse sistema de preconceito está ao nosso redor e dentro da maioria de nós. Ele legitima e até justifica infligir danos físicos, psicológicos e emocionais terríveis aos animais em nome da produção de alimentos, controle de “pragas”, “esporte” e experiência médica. Se você acredita — assim como nós — que os animais estão aqui conosco, e não para nós, você imediatamente verá por que nos opomos e buscamos acabar com essa hierarquia que coloca o ser humano no topo.
Hierarquias criam opressão para pessoas e animais
Estruturas hierárquicas que colocam um grupo seleto de indivíduos no topo do sistema social e outros indivíduos ou grupos em posições inferiores fomentam a desigualdade, a opressão, o ódio e a injustiça. Quando reconhecemos o especismo como mais uma forma de negar valor aos seres vivos, podemos ver que tanto as pessoas quanto os animais têm sido vítimas dessas opressões sistêmicas por milênios.
Justiça reprodutiva e veganismo
Naturalmente, os animais escolhem seus companheiros, constroem um ninho ou uma toca e dão à luz aos seus filhotes, a quem nutrem e amam. Nas fazendas, todos esses instintos são negados a eles. Toda a indústria pecuária depende da exploração das capacidades reprodutivas dos animais até que eles se desgastem física e emocionalmente. Mães são repetida e forçadamente inseminadas — frequentemente de maneira artificial, às vezes até cirurgicamente — sendo obrigadas a dar à luz animais que são imediatamente tirados delas.
Ovelhas, vacas e porcas
A carne que comemos é, na verdade, o corpo de animais bebês. Suas mães estão provavelmente aprisionadas em fazendas industriais, já que essa é a norma na produção de carne. Presas em caixas, gaiolas e cercados, elas não têm controle sobre seus próprios corpos ou seus futuros. Não são vistas como seres com qualquer valor inerente. Na verdade, muitas vezes nem são consideradas seres vivos, mas sim máquinas de bebês e geradoras de lucro. Isso significa que, a partir do momento em que não conseguem mais produzir um número de filhotes suficiente para satisfazer as demandas da indústria, são abatidas. É uma maneira chocante e insensível de tratar outros seres.
Galinhas poedeiras
Os ovos que comemos também dependem da capacidade reprodutiva de fêmeas, desta vez galinhas (e às vezes patos e gansos). Naturalmente, as galinhas escolhem um companheiro e constroem um ninho onde ela coloca seus ovos fertilizados. Ela se senta sobre eles, mantendo-os aquecidos e seguros, e à medida que seus filhotes se desenvolvem dentro das cascas, ela se comunica com eles, e eles com ela. Nas fazendas, quase todas as galinhas poedeiras são colocadas em gaiolas opressivas que causam intenso estresse e machucam suas patas. As galinhas nunca têm a chance de se sentar em seus ovos, o que é um instinto natural poderoso, e só podem assistir enquanto seus ovos rolam para longe delas. As galinhas foram geneticamente selecionadas para botar muito mais ovos do que é natural ou seguro para elas, resultando em ossos fracos e fraturas. Uma vez que não conseguem mais botar a quantidade de ovos exigida pela indústria, esses animais inteligentes e curiosos são abatidos. Elas têm apenas dois anos de vida quando são mortas e nunca aproveitaram um único momento de suas vidas.
Vacas leiteiras
O leite é produzido pelas mães para alimentar seus filhotes. As vacas — assim como todos os mamíferos, incluindo os humanos — produzem leite apenas quando estão grávidas ou amamentando. Então, para manter a produção constante do lucrativo leite, as vacas são repetidamente inseminadas. Mas os lucros diminuiriam se o bezerro realmente pudesse beber o leite materno, então os filhotes são retirados de suas mães logo após o nascimento — uma separação que é profundamente dolorosa para ambos. Em vez disso, o leite é extraído das tetas da mãe e vendido para consumo humano. O bezerro pode ser confinado e criado para carne de vitela, ou, se for fêmea, ela pode substituir sua mãe na fazenda leiteira. Qualquer bezerro cujo corpo não pode ser monetizado é morto ao nascer.
Justiça reprodutiva para machos
Não há um futuro positivo para nenhum animal em situação de fazenda, mas enquanto nosso foco está nas fêmeas quando falamos de justiça reprodutiva, os machos também são explorados, prejudicados e mortos por suas capacidades reprodutivas — ou pela falta dela. Alguns machos são criados por conta de seu esperma. Isso é retirado deles à força, artificialmente e frequentemente de maneira dolorosa. Quando sua fertilidade diminui, esses animais também são considerados sem valor e abatidos.
Machos nascidos na indústria da carne são mortos, e seus corpos são retalhados em pedaços de carne. Mas o que acontece com os machos nascidos nas indústrias de ovos e laticínios? Há 50% de chance de que cada pintinho chocado na indústria de ovos seja macho. Eles não têm utilidade para a indústria, já que não podem botar ovos, e assim bilhões de pintinhos machos de um dia de vida são sufocados, esmagados ou triturados até a morte todos os anos. Tudo isso para as pessoas poderem comer ovos.
Da mesma forma, na indústria de laticínios, há 50% de chance de que o bezerro nascido seja macho. Incapazes de produzir leite, eles não têm utilidade para o comércio de laticínios. Eles podem ser vendidos para a indústria de carne de vitela, mas se os produtores não puderem ganhar dinheiro com os corpos desses animais, eles também são abatidos ao nascer.
O destino de bezerros e pintinhos machos é pior do que o de suas irmãs que têm anos de sofrimento e exploração pela frente? Para nós, é impossível dizer.
Conclusão
Se você acredita que os animais têm seus direitos, incluindo sobre seus próprios corpos, então a conexão entre o que comemos e a justiça reprodutiva se torna cristalina. Nas fazendas, os animais são privados do direito de escolher seu próprio parceiro e quando se reproduzir. Seus poderosos instintos de fazer ninhos e alimentar seus bebês também são negados e, talvez seja o mais devastador de tudo, seus filhotes são levados para longe.
O sofrimento físico causado aos animais pelas indústrias de carne, laticínios e ovos está além da compreensão, mas o dano emocional e psicológico infligido a eles é outra camada de injustiça.
Se você está lutando para derrubar as hierarquias que justificam a opressão e perseguição de seres vivos ou se simplesmente acredita que as mães devem ser autorizadas a cuidar de seus filhotes, convidamos você a se afastar dessas indústrias exploradoras e experimentar o veganismo com a gente.