O que é senciência e por que é tão importante reconhecer os animais como seres sencientes?

Image from Brett Sayles on Pexels

A drag queen e cantora vegana, Leyllah Diva Black, acaba de lançar uma música chamada Senciente em parceria com a GenV. Por isso, decidimos aproveitar essa oportunidade para divulgar mais informações sobre a senciência animal. Se você ainda não ouviu a música, confira o lyric video em nosso canal do Youtube e aproveite o ritmo para descobrir mais sobre seres sencientes neste post. 

Um ser senciente é um ser consciente e com interesses específicos, que tem a capacidade de armazenar experiências e, baseado nelas, tomar decisões próprias para garantir seu bem-estar e sobrevivência. A partir do século XVIII, para a filosofia, o termo “senciência” se diferencia da razão. A senciência se refere à capacidade de experimentar sensações e ter percepções subjetivas a respeito do mundo ao redor. Essas sensações e experiências podem ser compreendidas por quem as vive como positivas ou negativas, de modo que podem orientar mudanças de hábitos ou ações.

O sencientismo é um posicionamento ético que defende, como argumento central, que os seres que devem ser considerados moralmente são aqueles com capacidade de sentir. As posições antropocêntricas utilizam o critério da senciência para separar os animais humanos dos não humanos a fim de defender a supremacia dos seres humanos por sua capacidade de ter experiências e consciência. Assim, os interesses dos seres humanos valeriam mais do que os de outros seres por serem os humanos entidades dotadas de senciência.

O ser humano é o único ser senciente?

Ao tomar por referência a definição anterior, é possível deduzir que todos os animais têm senciência. Veja o caso dos animais domésticos.O adestramento costuma funcionar com base em estímulos de premiação e castigo de tal forma que se pode modificar o comportamento desses animais. Isso significa que esses animais têm uma experiência subjetiva que interpretam como positiva (prêmio) ou negativa (castigo) e agem como consequência disso. Talvez em animais menos parecidos com os humanos, isto é, todos os que não são mamíferos, o conceito se torna mais confuso, especialmente porque temos menos familiaridade para interpretar as formas de comunicação de tais seres. Por isso, há anos, esse tem sido um debate tanto para a filosofia como para as ciências biológicas.

O que diz a ciência?

Em julho de 2012, foi publicada a Declaração de Cambridge a respeito da consciência. Na Inglaterra, foi reunido um grupo internacional de neurocientistas, neurofarmacólogos, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas da computação para reexaminar os substratos neurobiológicos da experiência consciente e outros comportamentos relacionados em seres humanos e animais não humanos.

Uma das questões a ser estudada era a afirmação de que apenas os animais que possuem neocórtex (alguns mamíferos, em especial os do gênero homo) têm a capacidade de sentir prazer e dor, portanto, têm interesses e são sujeitos que devem ser considerados moralmente.

A pesquisa comparativa nessa área enfrenta um obstáculo que é a incapacidade dos animais não humanos, e muitas vezes os próprios humanos, de comunicar suas experiências subjetivas de maneira clara e inteligível. Entretanto, esse grupo de cientistas chegou a alguns consensos:

  • o estímulo artificial das mesmas regiões cerebrais gera comportamentos e estados emocionais correspondentes tanto em animais humanos como não humanos;
  • as aves parecem oferecer, em seu comportamento, neurofisiologia e neuroanatomia, um caso significativo de evolução similar da consciência. Há evidências de níveis quase humanos de consciência em papagaios-cinza. 
  • a Declaração afirma da seguinte forma: 

A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos

Aqui é possível escutar a leitura das conclusões consensuadas na Declaração nas vozes de seus protagonistas (com legenda em espanhol). É possível ler a tradução em português do documento, neste link.

Essa declaração científica fornece as bases fundamentais para afirmar que animais são seres sencientes.

Quais critérios são úteis para avaliar a senciência de outros seres?

A postura antropocêntrica amplamente disseminada que afirma que apenas os seres humanos são conscientes e capazes de ter experiências subjetivas de dor e prazer está frequentemente apoiada no pressuposto de que não podemos acessar o conteúdo mental e subjetivo dos animais porque não temos os meios de nos comunicar com eles. Isso, longe de ser uma afirmação sensata, nos levaria a uma situação em que se poderia dizer que um bebê humano não é um ser senciente, porque não podemos nos comunicar efetivamente com ele, ou que uma pessoa com alguma deficiência que a impeça de comunicar com clareza suas experiências e sensações tampouco é um ser senciente. Perigoso, não é?

Por meio de numerosas pesquisas científicas, da área de biologia até a etologia (ciência que estuda o comportamento animal), há várias coisas que podemos saber para determinar se os animais têm consciência ou não. 

Alguns critérios que permitem avaliar a senciência são:

1. O comportamento:

Frente a diferentes estímulos que nos provocam dor e prazer, nosso comportamento muda. O modo de nos mover, ficar ou partir, adotar posturas defensivas, gritar, gemer etc. Os animais têm esse tipo de comportamento o tempo todo. Mesmo assim, existem comportamentos que não são uma resposta imediata ao estímulo, mas parte de um processo de aprendizagem que se mantém no tempo. As habilidades cognitivas podem ser definidas como processos por meio dos quais a informação ao redor é percebida, processada, transformada, armazenada e, em seguida, utilizada para tomar decisões e agir. Por exemplo, algumas espécies de polvos utilizam outros elementos do seu entorno (conchas, pedras ou lama) como esconderijo em caso de perigo iminente. Também já se comprovou que os polvos mudam de toca após algum estímulo doloroso em seu esconderijo. Mas não é somente por meio da dor ou do prazer que podemos comprovar a senciência dos animais: é possível constatar isso em todos os momentos de suas vidas. De fato, para qualquer ser, a condição para se manter com vida está em como responder ao meio: agir de uma maneira ou de outra; comer ou não; correr ou não; esconder-se ou sair para explorar; reter urina ou eliminá-la; e assim são os milhares de comportamentos cotidianos que os animais decidem ou não realizar de acordo com a leitura que fazem das condições do seu ambiente. A etologia é a ciência que estuda o comportamento animal. Como os animais conseguiriam tomar essas decisões se não tivessem consciência?

2. Considerações evolutivas:

A existência de seres com consciência se explica por um aumento de suas capacidades de sobrevivência e, portanto, de transmitir seus genes às novas gerações a fim de perpetuar a espécie. A consciência requer uma imensa quantidade de energia para os organismos, de modo que se ela não fosse necessária para garantir a sobrevivência seria mais um estorvo do que uma vantagem. Os humanos utilizam mais de 20% de sua energia em processos conscientes. A proporção é parecida em outros animais. Em seres que não demandam tomadas de decisão constantes por causa de seu modo de vida, como as plantas ou os fungos, que não se locomovem, esse gasto de energia não é necessário. 

3. Fisiologia:

A mera existência de um sistema nervoso não é condição suficiente para a senciência: esse sistema nervoso precisa estar centralizado. Atualmente sabemos que é necessário um sistema nervoso central para a ocorrência da senciência. Por sua vez, os sistemas nervosos das diferentes espécies são muito variados, com diferentes complexidades e graus de centralização. Então, que outros critérios fisiológicos ajudam nessa análise? A existência de substâncias químicas que funcionam como analgésicos em certos animais apenas se explica caso esses animais sintam dor. Um grande número de invertebrados com sistemas nervosos centrais simples também secreta essas substâncias. Outro critério que reforça a ideia de senciência é a nocicepção: a detecção de estímulos sensoriais prejudiciais ou potencialmente prejudiciais. Existem organismos que possuem substâncias nociceptivas que transmitem essa informação. Para determinar que isso tem a ver com a percepção da dor, seria necessário um cérebro, atualmente desconhecido pela ciência em suas condições estruturais, para interpretar as informações da nocicepção como dor. No entanto, essas substâncias nos animais não cumprem nenhuma outra função, o que nos faz suspeitar, mesmo sem respaldo científico até o momento, que elas existem para proteger esses organismos de experiências nocivas.

Conclusão

Nos dias atuais, não existem mecanismos científicos que determinem com exatidão o que é a consciência, como ela é produzida e como funciona. Entretanto, há certo consenso a respeito da capacidade de sentir dos animais não humanos. Esse é um assunto de extrema importância, já que dependendo da consideração que, enquanto sociedade, damos aos animais, as atitudes que entendemos como aceitáveis em relação a eles mudariam. A legislação de muitos países ainda considera os animais como coisas. As leis são reflexos de certos consensos sociais, respondem a interesses determinados e foram escritas em momentos específicos da história. Com a evidência científica disponível e com uma atitude de mais humildade, empatia e amor para com os seres vivos que nos rodeiam, você não acha que já é hora de nos convencermos de que os animais sentem e que devemos respeitá-los e garantir-lhes vidas dignas? Embora ainda estejamos longe desse objetivo, uma vez que há bilhões de animais confinados em fazendas industriais cruéis, o fato de esses debates estarem sendo realizados em países como Brasil, México e Argentina é um bom sinal.


Descubra o veganismo pelos animais! Inscreva-se em um de nossos programas gratuitos de 7 ou 30 dias.

Quer aderir ao veganismo?

Escolha o veganismo

Já adotou o veganismo?

Faça a diferença